quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Oportunidade.
Eu não tinha para onde correr, por mais que a ideia me agradasse. Presa numa armadilha engenhosa da mente, dessas que são capazes de convencer distraídos e incautos de que são meras coincidências, não me restou outra alternativa senão dar de cara com a tal dor antiquíssima. Numa outra circunstância, a mesma frequência, a mesma substância. De repente, quando me dei conta, éramos somente eu, ela e seus filhotes naquele trecho de mata cerrada da alma quando a alma não se importa nem um pouco de acender seu breu.
Estava quieta há tantas viradas de calendário, tecendo dramas em silêncio, procriando sem fazer ruído, que eu jurava já fazer parte do meu museu de superações. Que nada. Lá estava ela, olhos agudos esparramados nos meus sem constrangimento, fresca como se tivesse acabado de ser colhida do pé. Vívida como a estrela mais nítida no escuro mais silente da noite. Lá estava ela, engasgada na sombra à espera de olhar. À espera de abraço. À espera da chance de falar. À espera de luz.
Ali, presa fácil para o suposto inimigo, as defesas ludibriadas com requinte, num primeiro momento eu olhei para ela com um enfado absurdo, uma irritação rara, paciência zero.
“Você, ainda?”
“Ainda.”
“Não cansa, não?”
“Não posso, até que você se canse e, de uma vez por todas, escolha me olhar com o amor capaz de me ouvir e de me curar.”
Num segundo momento, cansadíssima, eu a acolhi e deixei ela falar suas queixas todas até realmente começar a escutá-la. Eu a abracei com a empatia, o respeito, o afeto, com os quais a gente abraça um amado profundamente ferido. Eu nem sabia ainda como poderíamos, juntas, mudar o rumo da história, e se saberíamos, mas, ali, eu escolhi me empenhar. Escolhi assumir a minha responsabilidade terna por nós duas. Escolhi aproveitar a oportunidade oferecida pela mais nova armadilha engenhosa da mente, outra circunstância, a mesma frequência, a mesma substância.
Ali, eu escolhi, pela primeira vez, talvez de uma vez por todas, olhá-la com amor até a gente conseguir se curar e ser capaz de semear circunstâncias mais felizes, outra frequência, outra substância. Outra, bem-vinda, colheita. Depois daquele inverno tão sisudo, quem sabe, a vez do cheiro de flor quando ri da primavera.
(Ana Jácomo)
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